“Era uma vez…” e a criançada se reúne em torno da vó com olhos e ouvidos atentos para não perder nada. Não só as crianças, quem não gosta de uma boa história? E bem antes das nossas avós, o hábito de contar histórias remonta aos tempos antigos, antes mesmo do surgimento da escrita.
Hoje, essa prática do chamado storytelling permanece mais viva do que nunca e vem sendo incorporado às estratégias de marketing das empresas, como forma de humanizar ainda mais suas ações. Afinal, toda comunicação envolve contar boas histórias.
O que é storytelling?
Termo em inglês, em tradução livre, significa contar histórias, mas uma boa história, ou seja, está relacionada à prática de desenvolver narrativas relevantes em torno de um produto ou serviço com o objetivo de agregar mais valor a ele e à marca. Narrativa que informa, envolve, esclarece e inspira, utilizando técnicas inspiradas na escrita criativa de roteiristas e escritores para comunicar mensagens de forma inesquecível.
Para o autor americano Carmine Gallo, palestrante conhecido por ensinar os líderes empresariais mais respeitados do mundo a compartilhar histórias inspiradoras, quando uma empresa oferece seu produto ou serviço para um novo cliente, está contando uma história. Quando instrui uma equipe ou educa uma classe, está contando uma história. Quando elabora uma apresentação para uma reunião, está contando uma história. Assim como quando você participa de uma entrevista de emprego e o recrutador lhe pergunta sobre suas experiências anteriores, está contando uma história. Quando escreve um e-mail, cria um post para um blog ou rede social, grava um vídeo para o canal do YouTube da empresa, está contando uma história. No entanto, existe uma diferença entre história, uma boa história e uma história transformadora, que constrói confiança, alavanca as vendas e inspira as pessoas a ter sonhos maiores.
Na verdade, as marcas começaram a entender que uma história emocional e vívida é muito mais persuasiva do que um monte de dados em slides de Power Point. Segundo Bruno Scartozzoni, palestrante e consultor brasileiro, no mundo corporativo, storytelling é sobre as empresas se reconectarem com as emoções humanas, é sobre a busca por maior legitimidade, é sobre olhar nos olhos do seu cliente ou funcionário, envolvendo-o como se vocês estivessem em uma mesa de bar.
Mas por que contar histórias é tão importante?
- Histórias humanizam e geram identificação
Já dizia o escritor Neil Gaiman: “histórias lidas no momento certo jamais te abandonam”. Uma boa história desperta o interesse e atenção do leitor ou espectador, fazendo com que se imagine no papel principal e não a esqueça jamais. E nos identificamos com pessoas, não com empresas. De gente pra gente.
- Despertam emoções
O leitor ou espectador vibra com boas histórias. Ele percebe a jornada, sente cada obstáculo, tentando resolver o conflito e louco para saber do final. É preciso conquistar o coração.
- Seduzem e inspiram
A comunicação é feita por histórias. Por meio delas, a mensagem pode ser transmitida de forma muito mais verdadeira e criativa, criando uma relação de proximidade, facilitando ainda a compreensão do público.
Principais elementos do storytelling
Cada história é única e elas só existem quando são contadas. Uma história (story) é uma série de fatos desorganizados e, para fazer sentido, precisamos de uma linha temporal e formas para contá-la (telling), ou seja, escolhemos os caminhos como vamos comunicar o conteúdo, utilizando técnicas narrativas que auxiliem nisso. Assim, é possível separar elementos que constituirão a história:
- A mensagem: o conteúdo, ideia ou conceito a ser abordado, aquilo que deve ser lembrado pelo público. Lembre-se: boas histórias são aquelas que marcam, aliando mensagem e a forma de contá-la.
- A personagem: tomando alguns conceitos literários, tudo gira em torno de uma personagem central, quem viverá toda a situação, contexto e transformação na história. A personagem deve ser bem construída para dar consistência e sentido a tudo que se desenrolará na história. Ela tem suas características e personalidade, além de uma questão essencial, um problema a resolver, e todos os eventos da narrativa estarão enraizados nela.
- O conflito: a partir da questão essencial da personagem é que acontecerão situações deflagradoras, de acordo com fatores externos, que vão dar origem ao conflito da história, o desafio que motiva a personagem a percorrer a jornada. Ele deve ser bem elaborado, gerar tensão na narrativa para despertar a atenção e emoção do leitor.
- O espaço: onde ocorre a história e que tem papel significativo na narrativa. Nenhum objeto, móvel ou quadro é por acaso. Cada detalhe é pensado para dar ainda mais consistência e sentido à cena. Todos os elementos simbólicos também auxiliam para trazer os conceitos de uma marca ou produto, por exemplo.
- O enredo: a organização da história, a estrutura que vai constituí-la; serão desenvolvidos as situações e fatores externos, criando as condições para aumentar a tensão para que o conflito seja apresentado e agravado ao longo da narrativa.
Storytelling na prática
Tendo em vista alguns elementos do storytelling, é possível estruturar, então, as histórias. Duas das principais estruturas utilizadas são: a Jornada do Herói, proposta por Joseph Campbell em 1949, e a Jornada da Heroína, proposta pela escritora Maureen Murdoc em 1990.
Ao longo da sua obra, Campbell analisou diversas histórias e encontrou nelas uma espécie de padrão comum às lendas, mitos e fábulas antigas, no qual o personagem passa por diversos desafios e transformações até se tornar um herói (como nas produções de Harry Potter, O senhor dos anéis e histórias da Disney, como Frozen, Moana, etc.). Mais tarde, Murdoc buscou preencher lacunas deixadas por Campbell, ao abordar desafios específicos vividos por mulheres, criando a Jornada da Heroína. Como exemplo, podemos citar Mulan, que precisa se disfarçar de homem para lutar na guerra no lugar do pai; Capitã Marvel e Mulher Maravilha, que lutam para proteger o mundo, ações comumente associadas ao masculino.
Assim, a Jornada do Herói e da Heroína são ferramentas de storytelling que podem ser relacionadas também à jornada de compra do cliente. Todas se dividem em etapas, envolvem muitos desafios, criatividade e persuasão. Dessa forma, é possível contar histórias alinhadas à cada etapa e tipo de mídia, propondo soluções de acordo com os desafios a fim de tornar a comunicação mais atrativa e descontraída. Para isso, é preciso:
– Ser criativo: tudo depende do objetivo, do conceito, da mídia e do que você vai oferecer ao seu público, qual experiência ou contexto deseja criar. Surpreenda seu público.
– Conteúdo relevante: apresente um tema relevante e de forma direta, com solução de problemas e mensagens positivas (só não romantize demais, a vida não é assim!).
– Crie personagens consistentes: assim você vai conseguir mostrar bem as questões vivenciadas, o contexto e o conflito para, então, trazer as soluções.
Ainda é importante salientar que nem todo storytelling é uma narrativa, embora as duas coisas estejam bem próximas. É possível utilizar elementos de storytelling nos conteúdos sem transformá-los exatamente em uma narrativa, por exemplo: criar personas de marca (nem sempre elas vivem uma situação, mas incorporam características e sentimentos para a transmissão dos valores e conceitos da marca); criar expectativas, explorando os elementos do storytelling; show, don’t tell (mostrar, não falar), muitas vezes trazer uma situação real é melhor do que explicar didaticamente, entre outros recursos.
O importante é a construção de conteúdo original e não apenas repetir conceitos ou ações. Abrace sua história, porque é disso que se fazem as lendas e os legados. Lembrando novamente Carmine Gallo, o storytelling não é algo que nós fazemos, é o que somos. Conte a sua história.